Entre os temas mais relevantes e que podem ser lembrados em alguns vestibulares em 2014 entendo ser este um dos mais importantes juntamente com outros já postados no blog e que ainda aparecerão.
O
Plano real surgiu em 1994, no começo desta década também surgiram a maior parte
dos Blocos Econômicos que conhecemos. Era o Neoliberalismo trazendo o
capitalismo selvagem para os países subdesenvolvidos. Foi um período bem complicado
para praticamente todas as classes sociais no Brasil, mas principalmente para
os assalariados que não poderiam reajustar seus salários sozinhos. Então
precisavam fazer verdadeiros milagres para pagar todas as contas em dia.
É
um assunto interessante, e como a maior parte dos vestibulandos não tem idade
pra saber exatamente o que isso significa na pele, mas teme por isso no atual
contexto econômico brasileiro, vale a pena saber o que é Inflação, Indexação e
é claro sobre o Plano Real.
Separei
em duas postagens, esta é sobre o plano real e o link abaixo leva para outra
sobre Indexação e Inflação.
Para
auxiliar na compreensão sobre o Plano Real pesquisei 3 textos sobre o assunto,
o primeiro é uma versão mais crítica sobre o funcionamento do Plano a segunda
uma versão favorável e por fim uma versão de alguém um pouco mais neutro.
Jonathan Kreutzfeld
O PLANO REAL (PONTO DE VISTA DE ESQUERDA)
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/economia/20-anos-depois-quem-sao-os-donos-do-plano-real-407.html
O plano Real, lançado em 28 de
fevereiro de 1994, foi um plano influenciado pelas ideias do economista inglês
John Maynard Keynes e pelas experiências hiperinflacionárias europeias (da
primeira metade do século XX), mas que contou com uma questionável administração
de economistas brasileiros e com as (des)orientações do Fundo Monetário
Internacional (FMI). Longe de ter sido “idealizado por Fernando Henrique
Cardoso”, como afirmam O Globo e outros veículos assemelhados, o plano foi
organizado e dirigido exclusivamente pelos economistas do PSDB.
Fernando Henrique Cardoso (FHC) era o ministro da Fazenda
durante o período de lançamento do Plano. O presidente era Itamar Franco. Um
mês após o lançamento do plano, FHC se desincompatibilizou do cargo para se
candidatar à Presidência da República pelo PSDB. Rubens Ricupero assumiu o
ministério da Fazenda. Ricupero deveria ser o responsável por toda a condução
do plano.
Em um estúdio da TV Globo, antes de uma gravação, o ministro
da Fazenda revelou reservadamente ao jornalista Carlos Monforte suas intenções,
vontades e ideias sobre o plano Real. Não contava, contudo, que estava em
canal aberto para algumas residências que possuíam antena parabólica. Sua
conversa com o jornalista foi gravada e divulgada.
O ministro, falando informalmente sobre o plano Real, disse:
“O que é bom a gente fatura. O que é ruim, esconde.” Além disso, afirmou que
era o principal “cabo eleitoral” de FHC. Ele se considerava também um achado
para a Rede Globo porque a emissora poderia fazer a campanha de FHC através das
suas aparições - “o tempo todo no ar”, segundo palavras do próprio ministro da
Fazenda.
Após a divulgação da sua conversa com o jornalista da Globo,
não restou outra alternativa: ele pediu demissão do cargo em 6 de setembro para
não contaminar a campanha tucana à Presidência. Contudo, o mais importante para
entendimento da economia política do Real foi a proposta econômica que o
ministro fez durante a conversa informal e que viria a se tornar o carro-chefe
da fase de derrubada da inflação proposta no plano. À frente, este ponto será
desenvolvido.
Antes do lançamento da nova moeda, o real, a inflação era
elevada. Mais do que isso: existia um regime de alta inflação, isto é, havia
uma dança de preços. Alguns preços subiam porque outros tinham subido. E estes
subiam porque aqueles haviam subido. E assim os preços aumentavam de forma
sucessiva. Havia uma corrida de preços, mas de forma dessincronizada:
aumentavam em momentos diferenciados e com percentuais diferentes. Além disso,
nenhum contrato era assinado com a moeda corrente, o cruzeiro real. Os
contratos usavam moedas fictícias (referências) ou algum índice para indexar o
seu valor à inflação e/ou aos desejos dos contratantes.
Muito foi acumulado em termos de discussões e experiências
desde o Plano Cruzado de fevereiro de 1986 até o lançamento do Real. Nos meios
acadêmicos fervilhavam artigos e debates sobre o assunto. O Plano Cruzado havia
dado errado por um simples fato: o seu carro-chefe foi o congelamento de
preços. O raciocínio era simples: se os preços sobem porque outros já subiram,
então congelam-se os preços e não haverá mais motivos para reajustes. Errado:
os preços estavam dessincronizados, então quem ficara “mal na foto” (isto é,
ainda não tinha reajustado o seu preço) no momento em que houve o congelamento
não aceitou aquela situação e reagiu, reajustando seus preços. Aí... os outros
reagiram também. Assim, ruiu o congelamento e o Plano Cruzado. Utilizado
eleitoralmente pelo PMDB, o congelamento de preços foi mantido (com a Polícia
Federal e fiscais nas ruas) somente até as eleições de novembro de 1986. O
resultado: o PMDB ganhou o governo dos estados de todas as unidades da
federação, exceto Sergipe.
Além da experiência do Cruzado, havia mais uma lição muito
importante na história econômica. Keynes, o economista inglês, foi convidado
pelo governo alemão, em 1922, a apresentar um plano para derrubar a
hiperinflação alemã.
Os pilares do Plano de Keynes eram os seguintes: (i) a derrubada da inflação deveria ser uma
iniciativa do governo, já que desconfiava de qualquer tipo de ajuda externa,
(ii) fixação da taxa de câmbio para promover a estabilização, já que os preços
estavam perfeitamente indexados ao dólar (isto é, os preços subiam de forma
sincronizada todos os dias) e (iii) os déficits públicos seriam curados posteriormente,
depois da estabilização e como consequência do crescimento econômico (que
possibilitaria aumento da arrecadação).
Estas lições eram bastante conhecidas entre os economistas
brasileiros no início dos anos 1990. Minha dissertação de mestrado, defendida
em 1993, intitulava-se “As lições do Plano Keynes para um projeto de
estabilização”. Muitos economistas escreveram trabalhos acadêmicos relevantes
relacionando as ideias de Keynes, os países que conviveram com a hiperinflação
e um plano de estabilização para o Brasil. Destacavam-se Paulo Nogueira Batista
Jr. e Gustavo Franco. Rudner Dornbusch, um professor americano do MIT – e que
com frequência visitava o departamento de economia da PUC-Rio, ninho dos
economistas do PSDB – republicou parte do Plano Keynes em 1987 em artigo de sua
autoria.
Na primeira parte da década de 1990, havia uma grande lição
já apreendida do Plano Keynes e do fracasso do Cruzado: era preciso sincronizar
a dança dos preços com a variação diária do valor do dólar. Dado este passo, o
próximo seria o lançamento de uma âncora cambial (cuja versão mais recomendada
era o congelamento da taxa de câmbio em um patamar de equilíbrio, isto é, que
estimulasse exportações e defendesse o mercado doméstico da invasão de produtos
importados). O FMI aproveitou este ambiente para lançar mais uma de suas
ideias: países “irresponsáveis” não poderiam ter sequer moeda, deveriam
utilizar o dólar americano como moeda. O FMI foi o principal incentivador da
radical dolarização argentina, que quase extinguiu o peso durante a década de
1990, e do fim da moeda nacional (o sucre) no Equador, que até hoje está sem
sua própria moeda – apesar de ser governado pelo antineoliberal Rafael Correa.
Os economistas do PSDB inventaram uma dolarização disfarçada
para a economia brasileira. Uma boa invenção, originária nas proposições de
André Lara Rezende e Pérsio Arida (proposição conhecida à época por “Larida”).
Lançaram no dia 1º de março de 1994 a Unidade Real de Valor (URV), que valia 1
dólar americano e tentaram por 4 meses (de março a junho) URVerizar todos os
preços. Em outras palavras, estimularam que os preços subissem todos os dias de
forma sincronizada e referenciada na URV que valia 1 dólar – e que variava de
valor todos os dias.
A tentativa de dolarização/sincronização de preços à
brasileira foi um fiasco. Somente os contratos públicos (energia elétricas e
outros) aderiram, de fato, à URV. Existem trabalhos científicos (nunca
contestados) publicados na Revista de Economia Política que demonstram esta
afirmação. Na época, surgiu um racha entre os economistas do PSDB. Uns
avaliavam que seria necessário que o período de dolarização/sincronização
tivesse pelo menos um ano para que todos os preços aderissem à URV. Outros,
não. O motivo para o tiro curto de apenas quatros meses foi essencialmente
eleitoral.
Óbvio que uma boa sincronização seria desejada para que a
fase seguinte, a da estabilização, fosse bem sucedida – afinal, a lição do
Cruzado estava viva na memória dos economistas. Mas a parte vencedora
argumentou que tal fase deveria ser curta (não havia tempo, diziam). A fase de
estabilização deveria chegar logo, deveria ocorrer pelo menos quatro meses
antes das eleições de novembro de 1994. Caso contrário, perderiam as eleições,
já que Lula estava bem na frente de FHC – em maio, as pesquisas apontavam a
vitória do petista no primeiro turno (43% contra 17% de FHC) – a reviravolta
eleitoral somente ocorreu depois de 1º de julho, quando entrou em cena a nova
moeda, o real, em substituição à velha, o cruzeiro real.
A fase de sincronização da dança de preços via URV foi um
fiasco econômico. Então, alguns céticos do plano Real pensaram que tudo daria
errado porque os preços voltariam a dançar e subir, tal como no Plano Cruzado.
Os economistas do PSDB sabiam que isto, de fato, poderia ocorrer. Lançaram mão
de uma “âncora” inovadora: câmbio megavalorizado e abertura comercial. A âncora
lançada em 1º julho não foi a do câmbio fixo e equilibrado, tal como estava no
Plano Keynes, mas sim a do câmbio flutuante (para baixo) e do câmbio
megavalorizado (inicialmente com R$ 1 comprava-se US$ 1,mas logo em seguida com
84 centavos de real comprava-se 1 dólar americano). Com esse câmbio e com a
abertura comercial, as pressões por reajuste foram dissolvidas de forma
truculenta com uma invasão avassaladora de produtos importados.
O caminho foi exatamente aquele anunciado pelo ministro
Ricupero na conversa reservada que foi capitada pelas antenas parabólicas. Ele
considerava que quem desejava fazer reajustes eram “bandidos” e que ele daria uma
“pancada” promovendo importações. Disse:
- Eu vou fazer um troço firme.
- É pra tudo quanto é bem de consumo e tal. Importação de
tudo. ... Bens duráveis também.
- Vou fazer uma coisa grande.
- É tudo bandido.
O que manteve os preços estabilizados, após o lançamento da
nova moeda em 1º de julho de 1994, foi a concorrência desleal de produtos
importados – essa foi a principal “âncora” do plano Real – não existiu qualquer
âncora cambial, tal como sugerida por Keynes ou aplicada em diversas
experiências. Não houve acomodação de preços, mas sim o deslocamento de
produtos nacionais e a introdução de produtos importados no mercado doméstico
brasileiro. O valor das importações de bens de consumo era, em 1993, US$ 3,2
bilhões; em 1998, alcançou US$ 10,8 bilhões – mais que triplicou!
Dessa forma, os preços foram controlados e as pressões
foram, dissolvidas pela exclusão de produtos domésticos do mercado brasileiro.
Logo em seguida, para fazer crer que o que estava funcionando era a âncora
cambial, foi permitida a concessão de crédito bancário em dólares – a operação
era feita em real, mas era convertida de acordo com a taxa de câmbio do dia.
Também a dívida pública interna foi, em boa parte, dolarizada para fazer crer
que até o governo não aceitaria uma desvalorização.
Embora vendessem a fantasia do câmbio fixo, o crucial para
os economistas do PSDB, à época, não era se o câmbio estava congelado, mas sim
se ele estava megavalorizado para ser combinado com uma estratégia de abertura
comercial. As importações cresceram, o saldo negativo com o exterior aumentou e
os preços foram estabilizados, mas com taxas de juros estratosféricas com o
objetivo de atrair dólares para o país. Essas taxas de juros bancavam a
avalanche de importações de bens de consumo. Em 1994, a taxa de juros Selic
média foi superior a 70% ao ano; em 1995, superior a 54%. No período que
vigorou o plano Real, entre 1º de julho de 1994 a meados de 1999 (quando foi
implantado o regime de metas de inflação), a taxa de juros Selic média foi de
38% ao ano.
Em 1998, a taxa de câmbio super-hiper-megavalorizada já não
era mais suportável. Houve muitos debates internos entre economistas do PSDB e
foi decidido pelo presidente-candidato à reeleição que a desvalorização somente
ocorreria após as eleições de novembro. Vitorioso nas urnas com a promessa que
não haveria desvalorização (veja a capa de O Globo de 31 de agosto de 1998: FH
GARANTE QUE NÃO MEXE NOS JUROS NEM NO CÂMBIO). Mas em janeiro de 1999, FHC
substituiu o presidente do Banco Central, que estava provavelmente entre
aqueles que não queriam a desvalorização, e autorizou o desmonte da farsa
eleitoral e econômica: o câmbio foi desvalorizado.
Os céticos erraram novamente. Pensaram: “agora a coisa
afunda”. Não percebiam que a âncora do Real era outra. Apesar da desvalorização
ocorrida dentro de uma “banda diagonal transversa”, segundo os termos quase
ininteligíveis do novo presidente do Banco Central, o dólar continuava muito
barato.
Esta foi a história do Plano Real. Entre 1999 e 2003/4 houve
somente o aprofundamento dos fundamentos macroeconômicos ditados pelos
economistas liberais do PSDB e pelo FMI. Os resultados dos anos de Plano Real
foram dramáticos em termos de criação de empregos formais, de crescimento e
concentração de renda.
A “responsabilidade” fiscal apregoada (pelo FMI e os
economistas do PSDB) foi transformada em elevação da carga tributária e da
dívida líquida pública como proporção do PIB. Os resultados fiscais somente
viriam a melhorar (e muito) com o crescimento econômico da era Lula – tal como
sugeria o Plano Keynes. Cabe lembrar que a primeira fase do Real, anterior à
suposta sincronização de preços e à estabilização da inflação, era a fase da
busca do equilíbrio das contas públicas. Neste ponto talvez resida o maior
desastre do plano Real. A dívida líquida do setor público em relação ao PIB, de
38,2% em 1993, saltou para 48,7% em 1999.
A maior herança benigna do Plano Real foi a consciência
antiinflacionária absorvida pela sociedade (para a qual o plano Cruzado também
contribuiu). Sim, a inflação foi controlada, mas isso não isenta os
organizadores e condutores do plano Real de seus graves equívocos. Por outras vias, mais aderentes ao plano Keynes, a inflação
também teria sido debelada – é o que mostram inúmeras experiências. Não foi
somente o Brasil que enfrentava um regime de alta inflação e não foi somente o
Brasil que conseguiu superá-lo. Por exemplo, na Argentina, nos cinco primeiros
anos pós-estabilização, a economia cresceu em média 7,8% ao ano – em seguida as
orientações do FMI levaram a Argentina para uma crise profunda. Mas, no Brasil,
o crescimento foi medíocre e, em decorrência, os custos sociais foram altos
demais.
A primeira fase do Real promoveria um ajuste fiscal e
melhoraria os resultados das contas públicas. Ocorreu o inverso. A segunda
fase, a da sincronização do reajuste de preços, foi apenas “para inglês ver”. E
a terceira fase, a da estabilização, obteve êxito, mas alcançou seu objetivo à
custa de juros altos para conter a perda de reservas, desnacionalização da
economia, geração de poucos empregos formais, baixo crescimento e concentração
de renda. Poderia ter sido bem sucedida sem estes custos.
Ainda sobre a última fase do Real, a fase de estabilização,
que foi de julho de 1993 a meados de 1999, vale uma observação muito
importante: a inflação média desse período foi superior a 12% ao ano – uma
inflação muito superior à inflação dos últimos dez anos, que é inferior a
metade daquela registrada nos anos que são hoje comemorados pelo PSDB.
Portanto, o que o plano Real fez, de fato, foi lançar as bases da estabilização
consagrada apenas no último decênio – é o que está provado pelos números. Mas
cabe uma observação: a sociedade brasileira precisa de muito mais do que uma
economia com inflação controlada – e tudo o que vai além disso não foi
sequer iniciado nos governos do PSDB.
Vale o exame de alguns outros números. A concentração de
renda foi extraordinária nos anos do plano Real: a participação dos salários no
PIB caiu de 45,1% em 1993 para 38,2% em 1999. A carga tributária aumentou 11%
entre 1993 e 1999. A taxa média de crescimento econômico foi de 2% (a mesma
taxa de crescimento do governo Dilma). No primeiro mandato de FHC, que
corresponde à aproximadamente ao período do plano Real, foram criados apenas
824 mil empregos formais (em 4 anos), um número ridículo se comparado à média
da última década, que tem sido a criação de mais de 1 milhão de empregos
formais por ano.
A concepção original do Plano Real era excepcional e tinha
base teórica e histórica – contudo, não foi uma invenção de economistas
brasileiros. Coube, sim, aos economistas do PSDB patrocinar o não
aprofundamento da fase de sincronização dos preços, a promoção de uma enorme
substituição de produtos nacionais por produtos importados durante a fase de
estabilização e o agravamento da situação fiscal brasileira. Mas hoje, 20 anos
depois, somente lembram do que chamam de derrubada da inflação. Não possuem
sequer a honestidade intelectual para reconhecer os erros e os custos sociais
pagos em nome de estratégias eleitorais e crenças neoliberais.
O PLANO REAL (PONTO DE VISTA DE DIREITA)
O entrevistado é Gustavo Franco, economista e ex-presidente do Banco
Central
Na dia 28 de fevereiro de 2014, festejamos os 20 anos da
publicação da Medida Provisória nº 434, que introduziu a URV (Unidade Real de
Valor), uma formidável inovação que assumiu a forma de segunda moeda nacional,
porém apenas “virtual”, ou “para servir exclusivamente como padrão de valor
monetário" (art. 1).
A URV era o real, desde o início. Em seu artigo 2º, a MP 434 já
determinava que, quando a URV fosse emitida em forma de cédulas — e assim
passasse a servir para pagamentos —, o cruzeiro real seria extinto e a URV
teria seu nome mudado para real.
A inflação beirava os 40% mensais, mas, em vista do modo como foi
construída, a URV (que Saulo Ramos, com verve e má vontade chamou de "feto
de moeda") era uma "moeda estável", ou uma unidade de conta
protegida da inflação, portanto, superior às outras em circulação ou em uso
para indexar contratos, e por isso as substituiu de modo espontâneo e
surpreendentemente rápido.
Na partida, em 1º de março de 1994, a cotação da URV em cruzeiros
reais, a moeda de pagamentos, era CR$ 647,50, valor que o BC usava para fixar a
taxa de câmbio (e não o contrário). No dia seguinte a URV mudou para CR$
657,50, conforme a variação da inflação corrente, e depois para CR$ 667,65
assim fomos.
Em poucas semanas a URV se alastrou de forma viral, pois era um
convite irresistível: migrar espontaneamente para uma moeda de conta que andava
junto com o dólar. Por que o Brasil não poderia ter uma moeda tão boa quanto a
de qualquer outro país? Por que a moeda estável, a indexada, era privilégio
apenas do rico que usava o "overnight"?
Em 1º de julho, quatro meses depois (e bem poderia ter sido
antes!), as novas cédulas e moedas do real foram colocadas em circulação em
lugar do cruzeiro real na razão de R$ 1,00 para CR$ 2.750,00. A reforma
monetária estava completa e o real em plena circulação.
Quem disse que o brasileiro não sabe fazer conta e não é capaz de
entender e agir inteligentemente diante de questões econômicas aparentemente
complexas?
Depois de 20 anos, a adoção generalizada da URV ainda está
cercada de uma aura de mistério e fascinação, e entre os especialistas é
lembrada como uma das experiências de estabilização mais engenhosas e bem
sucedidas que a humanidade já conheceu. O fim da hiperinflação alemã em 1923,
que fez uso de um expediente semelhante — o rentenmark — é frequentemente descrito
como um "milagre", e desafia explicações, tal como a URV.
O fato é que a introdução da moeda de conta indexada deu
início a uma reação química em cadeia, uma espécie de redescoberta do
"valor das coisas", que estendia seus efeitos para todo o espectro de
simbolismos associados ao dinheiro, sugerindo, inclusive, a identificação entre
inflação e imoralidade. Havia muita coisa em jogo no plano simbólico: a moeda,
como a bandeira e o hino, está entre os mais importantes símbolos nacionais de
tal sorte que sua degradação, quando levada ao extremo de uma hiperinflação,
espalhava suas consequências para muito além da órbita econômica.
Elias Canetti, numa passagem famosa sobre a hiperinflação
alemã, observou mais genericamente que uma inflação desse tipo "pode ser
tomada como uma orgia satânica de desvalorização no qual os homens e as
unidades de seu dinheiro exercem os mais estranhos efeitos sobre si mesmos. Um
se projeta no outro, o homem sentindo-se tão 'ruim' quanto o seu
dinheiro". Nada a estranhar, portanto, no torpor e na dissolução de
valores, entendida de forma mais ampla, em vigor durante aqueles anos e que,
infelizmente, deixou sequelas.
O "caminho e volta" enunciado pelo Plano Real
compreendia a recomposição e reunificação das funções da moeda em sequência:
primeiro a de servir como unidade de conta com a URV, substituindo outros
indexadores e unidades de conta usadas em contratos e orçamentos familiares,
segundo a de servir como meio de pagamento de curso legal, com a emissão de
cédulas e moedas denominadas em real, e por último, e mais difícil, a de
funcionar como reserva de valor, teste realizado quando a nova moeda deixou de
ser indexada ao dólar e flutuou com relação à moeda americana. E diante do
veredicto dos mercados, quando o real apreciou com relação ao dólar, e assim se
manteve, o circuito estava completo.
Era apenas o começo, é claro, e o programa prosseguiu,
inclusive por que havia clareza que o Plano Real, diferentemente dos outros
planos econômicos, compreendia uma extensa agenda de ações contemplando os
chamados fundamentos econômicos da estabilização e do desenvolvimento. Era uma
linguagem inovadora para uma época em que as pessoas ainda acreditavam em Papai
Noel e inflação inercial. Essa agenda era o cerne do programa. A passagem do
tempo e a alternância no poder só tornaram mais claro que estávamos adotando
paradigmas já bem assentados no tocante à disciplina monetária, à
responsabilidade fiscal e à sustentabilidade financeira do Estado.
A URV, depois transformada em real, trouxe a inflação no Brasil
para níveis internacionais no início de 1997 sem sustos, confiscos, caneladas e
recessão. No ano calendário de 1998 a inflação medida pelo IPCA foi
de 1,6%, a menor da série histórica. Foi a menor inflação anual desde que o IPC
da Fipe começou a ser calculado em 1940.
Pois assim, a estabilização nos retirou de um estado de
torpor e depressão para outro de euforia e ansiedade; a agenda de estabilização
rapidamente se converteu na discussão das reformas necessárias para o
crescimento, onde estacionamos já faz alguns anos.
O problema do crescimento é semelhante ao da estabilização
de muitas formas: ambos dependem de coordenação, persuasão, segurança quanto à
consistência macroeconômica e, sobretudo, incentivos corretos. O sucesso da URV
e do Plano Real é sempre associado ao estilo da coisa, à transparência no fazer
e à ideia de um "convite a aderir" a um mecanismo que os agentes
econômicos percebem como superior. Não é
um "Pacto Social" negociado por sindicatos e associações
patronais, nem um mecanismo compulsório e invasivo como foram os congelamentos.
Essas coisas não funcionam: as pessoas, inclusive as jurídicas, preferem
exercer suas próprias escolhas orientadas por suas próprias percepções sobre os
seus melhores interesses. Assim funcionam as economias de mercado como a nossa.
Quando o governo organiza políticas
públicas que atentam para este detalhe crucial sobre o modo como a economia
funciona as coisas costumam dar certo.
O PLANO REAL (PONTO DE VISTA INTERMEDIÁRIO)
Fonte:
http://www.epochtimes.com.br/20-anos-plano-real-licao-economia-politica-democracia/#.U1g4IlVdV2E
“A diferença deste plano é que ele não teve um dia D, nada
entrou em vigor por decreto”. Este trecho de reportagem do Jornal Nacional de
1993 resume bem o porquê o Plano Real conseguiu acabar com o fantasma da
inflação: ele não foi implantado por decreto, por um grupo de burocratas, à
força, de cima para baixo, e sim com a adesão voluntária e debates no
congresso.
Quem vê nos jornais que o Real teve seu valor defasado de
1994 até hoje— uma nota de R$ 100,00 vale o equivalente a R$ 25,00 da época—
pode, por um momento, não compreender o que esta moeda representou e representa
até hoje para a vida dos brasileiros, inclusive os de baixa renda. Se for
calcular a média de desvalorização em 1993, chegaríamos a uma desvalorização
300% maior e em 1/10 de tempo.
Sem contar a irresponsabilidade do último governo que rasgou
a lógica da responsabilidade fiscal, das metas de inflação e partiu para o
controle do câmbio — como se as experiências anteriores não fossem suficientes
para mostrar que isso não funciona — algo que contribuiu para a defasagem
monetária dos últimos anos. Além disso, parte das benesses vividas pelo país no
mandato de Lula (que foi contra o Real) foi por conta da estrutura
anteriormente estabelecida, outra parte foi graças ao Brasil ter ganhado na loteria
Chinesa, que aumentou o preço das commodities.
Contexto
Em 1993, época de implantação da URV, o cenário econômico
brasileiro não era dos melhores. Em meio a troca de moedas, planos, medidas
como controle de preços e outras mal sucedidas, mudamos de Ministro da Fazenda
4 vezes em menos de 7 meses. A credibilidade com os credores externos estava
afetada por conta de uma recente moratória e os consumidores não conseguiam
planejar suas finanças pessoais, já que os preços dos produtos aumentavam mais
uma vez no mesmo dia, de uma inflação que chegou a 2.400 % ao ano.
Do ponto de vista político, o Presidente Itamar Franco não
havia sido eleito, era herdeiro de um Impeachment e nomeara como Ministro da
Fazenda, um ex-senador, que era seu atual Ministro de Relações Exteriores,
Fernando Henrique Cardoso, que sequer era economista “era mais que uma
aventura, era uma condenação ao fracasso”, conta FHC em discurso na semana
passada. Ademais, apesar de competente, a equipe técnica era inexperiente. Não
seria mais fácil baixar um decreto?
A despeito das grandes dificuldades, tudo foi construído com
debates e argumentos para mostrar para as pessoas que isso seria positivo para
todos. Anunciado no início do ano, a Unidade Real de Valor, atrelada ao dólar,
tornar-se-ia moeda se houvesse a adesão voluntária da maioria e se o congresso
aprovasse as medidas necessárias como corte de despesas e aumento de impostos.
Além do trabalho de convencer os credores externos que agora, sim,” a coisa
ia”.
Tenho discordâncias em relação a posicionamentos de Fernando
Henrique e críticas a seu modelo de privatização, que contou com ampla
participação de financiamentos do BNDES. Mas, verdade seja dita, há, pelo
menos, 10 anos o Brasil não sabe o que é ter um líder que respeita as
instituições e que não as prostitui por interesses partidários.
A lição que fica é que uma equipe formada por excelentes
técnicos — como André Lara Resende, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Pedro Malan e
companhia — não é motivo para se esquecer da participação popular e do trabalho
de convencimento do congresso. Afinal, se uma medida é positiva, então, para
que ter medo do debate?
O mercado surge de forma espontânea, meia dúzia de
economistas, por melhores que sejam, não têm condições nem de entender o
funcionamento de toda economia, quiçá de ditar como ela e os preços devem se
comportar. A dificuldade de alguns economistas em entender esta simples lição
aplicada pela equipe do Real, foi muito bem classificada pelo Nobel de
economia, Hayek, como Arrogância Fatal.
Sem guerras psicológicas nem pessimismo, quem sabe o
mergulho na história por conta dos 20 anos de Plano Real poder ser aula não só
de economia, mas de boa política e democracia para Rousseffs, Mantegas,
Augustins Kirchners, Maduros e demais videntes que brincam de economia.
Wagner Vargas é jornalista, trabalha com Assessoria de Imprensa e
Comunicação Estratégica na área de Telecomunicações e com consultoria e
Marketing político. Repórter de política econômica do Jornal Imprensa e
articulista e entrevistador do espaço do Instituto Millenium na Exame.com
Muito bom professor, e talvez a mais importante lição: Como olhar e acreditar só em um lado pode fazer a pessoa tirar conclusões totalmente precipitadas!
ResponderExcluir