terça-feira, 19 de julho de 2011

O Dilema da Energia Elétrica

O Futuro da Energia Elétrica no Brasil

A geração de energia elétrica no Brasil tem crescido a uma taxa média anual de 4,2% ao longo dos últimos 25 anos. Durante esse tempo, ela sempre foi dominada pela hidreletricidade, responsável por mais de 80% do total gerado no País hoje. Não somente a hidreletricidade domina a geração de energia elétrica no Brasil, mas também grandes usinas dominam o setor. Aproximadamente 450 usinas hidrelétricas estão em operação. Entre estas, cerca de 25, com uma potência instalada superior a 1.000 MW cada, são responsáveis por mais de 70% da capacidade elétrica instalada total e por mais de 50% da geração total de energia elétrica do País. Para efeitos de registro, essa capacidade totalizava, no final de 2007, aproximadamente 100.000 MW.


Por outro lado, existe ainda um enorme potencial hidrelétrico por ser explorado – cerca de 190.000 MW –, espalhado de maneira não uniforme por todo o território nacional. Esse potencial encontra-se fortemente concentrado principalmente na Região Norte (Amazônia) e, como tal, distante dos principais centros consumidores, que se localizam no Sudeste. Esta inviabilidade física de fazer coincidir os recursos de geração de eletricidade no País com sua eventual demanda por energia acarreta altos custos de transmissão, bem como severas restrições para o meio ambiente.

Dilema para o setor energético brasileiro

Do potencial hidrelétrico brasileiro total conhecido, não mais do que 30% é atualmente utilizado, contra mais de 70% na maioria dos países desenvolvidos. E é aí, justamente, que reside grande parte do dilema do setor elétrico brasileiro, bem como a problemática da construção de novas usinas hidrelétricas. Afinal, quanto desse potencial hidrelétrico ainda disponível a sociedade brasileira está disposta a explorar? Como será feita tal exploração, tendo-se como base estudos sobre os impactos ambientais e sociais potenciais que tal ação poderá implicar? Como a sociedade pode avaliar esses impactos em comparação com outros tipos de impactos gerados por alternativas tecnológicas? Entre os danos proporcionados por tais alternativas, podemos citar não só os ambientais e sociais, mas também os econômicos, de dependência tecnológica (quando a tecnologia não é dominada pelo País), de segurança de abastecimento (quando combustíveis importados forem necessários) e de segurança nacional (uma vez que tecnologias como a nuclear podem resultar em outros tipos de riscos).

Atualmente, as outras tecnologias de geração elétrica relevantes no País são a térmica nuclear (responsável por cerca de 4% do total gerado hoje), térmica a gás natural (4%), térmica a diesel e a óleo combustível (3%) e térmica a biomassa (3%). A introdução da biomassa, da energia nuclear e da energia térmica a gás natural reduziu a participação da hidreletricidade de 92%, em 1980, para os 86% de hoje.

Todavia, o forte e continuado aumento do consumo de energia elétrica no País, ao longo dos últimos 25 anos, propiciou que a geração hidrelétrica tenha mais do que duplicado no citado período, em termos absolutos, apesar da queda violenta de consumo registrada com o racionamento de 2001. Além disso, é determinante para que um crescimento ainda mais acentuado, ainda que menor em termos absolutos, tenha se verificado para as alternativas de geração elétrica.

O impacto ambiental, econômico e social

O Brasil vem construindo grandes empreendimentos hidrelétricos desde o começo dos anos 1960. A maior parte deles foi construída durante um período em que havia muito pouca – ou nenhuma – preocupação com os impactos ambientais e sociais de grandes obras de engenharia.

O histórico da implantação de tais empreendimentos registra custos ambientais e de reassentamento de populações atingidas, danos que foram muito subestimados e mesmo desconsiderados. Na época, não havia discussão prévia sobre as alternativas tecnológicas de geração de energia elétrica ou mesmo dos tamanhos e dos formatos dos lagos que seriam criados pelas grandes barragens.

As populações locais eram simplesmente notificadas de que a barragem seria construída e de que teriam que se mudar para outro local. Tais populações eram, muito freqüentemente, indenizadas por suas perdas de maneira totalmente inadequada, normalmente em processos de negociação bastante assimétricos.

Assim, com o passar dos anos, depois de várias experiências bastante negativas – entre estas a construção das hidrelétricas de Itaparica, Sobradinho, Balbina e Tucuruí (as duas últimas na Amazônia) – e de pressões sociais realizadas por movimentos ambientalistas e sociais organizados, o próprio setor elétrico passou a tentar incorporar algumas dessas organizações sociais no processo de concepção e construção de uma usina hidrelétrica.

Oposição da sociedade

Os principais impactos negativos relacionados à construção e à operação de usinas hidrelétricas são normalmente sofridos por aqueles que viviam na área e que tiveram que se mudar. Na maior parte dos casos, as populações rurais reassentadas sofrem perdas consideráveis em seu padrão de vida, normalmente sequer se beneficiando da energia elétrica que começa a ser gerada. Além disso, as grandes hidrelétricas impactam, de maneira desigual, dependendo da região, nos meios físico, biótico e social de seus habitantes.



Nesse sentido, é de se esperar que novas hidrelétricas na Amazônia só irão aumentar a oposição da sociedade à construção desse tipo de empreendimento, previsão que é agravada por duas constatações, entre outras. Uma delas diz respeito à ausência de novas pesquisas mais detalhadas sobre as condições e as especificidades ambientais e sociais da região. A outra refere-se à falta de flexibilidade da política energética brasileira para adaptar seus projetos de engenharia não ao que seria o ideal, mas eventualmente a uma solução de compromisso que leve em conta, ao mesmo tempo, as questões energéticas e as condições ambientais e sociais locais, haja vista a fragilidade ambiental e social dos ecossistemas amazônicos.

Alternativas para a geração de energia

Nesta década, quatro importantes estudos foram realizados para mapear o cenário da oferta e da demanda de energia no Brasil. São eles: Matriz Energética Brasileira: 2003-2023, da autoria de RobertoSchaeffer, Alexandre Szklo e Giovani Machado, da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), relatório de pesquisa preparado, em 2004, para o Ministério de Minas e Energia; Brazil: A Country Profile on Sustainable Energy Development, realizado em 2006 pela International Atomic Energy Agency (IAEA); World Energy Outlook 2006, realizado em parceria pela Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) e pela International Energy Agency (IEA), em 2006; e Plano Nacional de Energia 2030, realizado em 2007 pela Empresa de Pesquisa Energética do Ministério de Minas e Energia (EPE/MME).

Tais estudos são os mais completos e atuais já realizados sobre o tema para o Brasil. Seu objetivo consistia em analisar as opções tecnológicas que se colocam para o País atender suas demandas de energia para os próximos 25 anos.

Todos eles demonstram que a hidreletricidade sempre continuará a ter uma participação majoritária na matriz elétrica brasileira, ainda que a sua importância seja reduzida um pouco ao longo do tempo. Mesmo assim, em valores absolutos, a hidreletricidade será a fonte primária que mais crescerá no período.

Conforme os estudos apontam, esta participação majoritária é prevista com base no crescimento esperado para o mercado brasileiro de energia elétrica ao longo dos próximos 25 anos, crescimento que apresenta variações sutis entre os diferentes relatórios. Além disso, eles levaram em conta as tecnologias atuais e seus custos técnicos, bem como as evoluções dessas tecnologias no decorrer do citado período.

As pesquisas ainda tiveram como referencial os custos atuais dos combustíveis e suas projeções de custos futuros, além dos potenciais, das reservas e dos recursos energéticos nacionais conhecidos. Por fim, também foram considerados os limites de dependência externa vistos como satisfatórios, mediante a importação de energia, e as restrições ambientais locais e globais, entre outras, ao longo dos próximos 25 anos.

Opções escassas

Como o Brasil é relativamente pobre em reservas de carvão – ainda hoje a principal fonte primária para a geração de energia elétrica no mundo – e caso fortes restrições sejam impostas à exploração do potencial hidrelétrico ainda remanescente no País, em particular na região amazônica, poucas alternativas restam, conforme atestam as conclusões dos quatro estudos. As pesquisas apontam, entre tais alternativas, as usinas térmicas a gás natural e, principalmente, as usinas nucleares, complementadas por fortes esforços para uma utilização mais eficiente da energia da biomassa e das usinas eólicas.

Mas assim como as hidrelétricas apresentam problemas de ordem principalmente ambiental local, térmicas a gás oferecem sérios riscos relativos à confiabilidade do suprimento de gás. Isso ocorre num momento em que o Brasil ainda é fortemente dependente da Bolívia, uma vez que as reservas nacionais ainda não foram desenvolvidas e ainda não existem usinas de regasificação de gás natural líquido, que poderia ser importado de outros países. Térmicas a gás natural também podem criar problemas de competição, principalmente devido ao uso da água. Na verdade, esta é uma limitação comum a todas as térmicas, que fazem uso de água para resfriamento.

Outros problemas das térmicas a gás referem-se à poluição atmosférica local e, principalmente, à emissão de gases de efeito estufa. Questões delicadas que se impõem não só ao Brasil, considerando-se que governos de diversas nações atualmente discutem os impactos ao meio ambiente como os desafios mais graves com os quais a humanidade já se defrontou.

Usinas nucleares, por sua vez, além de caras contam com problemas técnicos para a destinação final do combustível gasto, que apresenta elevado potencial tóxico para o planeta por dezenas de milhares de anos. Além disso, as usinas também são vulneráveis a ameaças terroristas e estão sujeitas a riscos tecnológicos elevados, o que explica boa parte da oposição popular mundial a essa tecnologia.

Já outras tecnologias, tais como a eólica, que apresentam uso eficiente e fontes alternativas, não trazem problemas maiores, com exceção dos custos, que são elevados para a viabilização de locais para seu desenvolvimento e sua geração. De igual forma, essas tecnologias apresentam um potencial relativamente limitado para suprir uma parte substancial da demanda de energia elétrica no País nos próximos 25 anos. Isso ocorre principalmente pela ausência de políticas específicas e devido à falta de investimentos maciços, a curto e médio prazos, para incentivar mais claramente a utilização dessas fontes. De fato, tanto o uso mais eficiente da energia quanto a geração eólica encontram-se fortemente subexplorados no Brasil de hoje.

Falta de diálogo com a sociedade

A sociedade brasileira precisa ser informada sobre os prós e contras que as diferentes tecnologias para a geração de energia elétrica implicam, de forma que um pacto ou consenso seja buscado a fim de que o País possa avançar no entendimento de que custos, de várias ordens, sempre advirão da expansão de um parque gerador elétrico como o nosso.

Dado o estágio de desenvolvimento econômico e social do Brasil hoje, um aumento no consumo de energia elétrica fatalmente ocorrerá ao longo das próximas décadas, em maior ou menor grau, em função das tecnologias de uso final empregadas e do próprio comportamento da economia. Nesse sentido, o pior cenário possível seria faltar energia elétrica.

Provavelmente, o Brasil deverá diversificar sua matriz elétrica ao longo do tempo, embora a hidreletricidade ainda se mantenha, pelos próximos 20 anos, como a fonte de geração de energia elétrica mais importante. Todavia, é possível explorar ainda uma parte do potencial hidrelétrico brasileiro disponível, inclusive na Amazônia, mas tal decisão precisa ser compartilhada com a sociedade como um todo, para que os impactos gerados por essa ação venham a ser entendidos, aceitos e equacionados da melhor maneira possível.

Segundo os estudos, a preocupação mundial crescente com relação às mudanças climáticas traz um elemento novo em favor das hidrelétricas, da geração eólica, da geração elétrica a partir da biomassa e da eficiência energética, na medida em que tais fontes não contribuem, direta e significativamente, para as emissões de gases de efeito estufa.

No entanto, é interessante notar que, ao mesmo tempo em que as fontes renováveis de energia representam, de um lado, uma alternativa para a mitigação da mudança global do clima, de outro, pelo fato de que são dependentes das condições climáticas, estão potencialmente sujeitas aos impactos do próprio fenômeno que pretendem evitar. Apesar disso, benefícios econômicos, políticos, sociais e ambientais de se investir em eficiência energética e em fontes alternativas excedem, em muito, as potenciais vulnerabilidades ambientais associadas a essas fontes de energia, hoje e no futuro.

* Roberto Schaeffer é professor do Programa de Planejamento Energético da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).

Jonathan Kreutzfeld

Nenhum comentário:

Postar um comentário