Diante da grave crise econômica na Argentina, as maiores e
recentes novidades agora são:
- O governo quer saber quem gasta mais de 1000 pesos no
supermercado;
- O governo também quer saber quanto o povo gasta no cartão
de crédito.
Sempre fico pensando, se o nosso país não é sério o que
seria então a Argentina?
Jonathan Kreutzfeld
ENTENDA A ATUAL CRISE ARGENTINA
Problemas políticos, aumento da pobreza e do desemprego e
inflação galopante criam cenário de dificuldades para Cristina Kirchner.
Inflação, ressurgimento da pobreza e do desemprego,
incertezas sobre o futuro. A Argentina está novamente perante um cenário de
crise - a sétima desde 1975. Desta vez, inclui um impopular controle do dólar,
além dos temores de eventuais desvalorizações da moeda e confiscos bancários.
"Cristina Kirchner não quer dialogar com a oposição nem
ouvir conselhos dos próprios peronistas. É quase um 'autismo' administrativo
que está levando o país à crise", diz ao Estado um ex-ministro kirchnerista.
Depois, faz uma nuance: "Este não é um precipício, tal como o de
(Fernando) De la Rúa em 2001, mas é um baita barranco."
A presidente está entre a espada e a parede, afirmam os
economistas. Os empresários pedem que o governo desvalorize a moeda para
recuperar a competitividade da economia. No entanto, embora esteja desesperada
para aumentar o superávit comercial e contar com dólares para pagar a dívida
pública, Cristina resiste à liberação do peso, já que isso implicaria em
intensificar a escalada da inflação.
Em 2008 a Argentina já demonstrava que mais uma vez, estaria
à beira do colapso financeiro. Os preços das principais exportações argentinas
(soja e carne) aumentaram significativamente. O país beneficiou de um período
de expansão econômica. O Governo aproveitou o aumento das receitas fiscais para
expandir a despesa pública. Só que a crise econômica mundial reduziu o valor
das exportações. As receitas fiscais diminuíram, as finanças públicas estão
descontroladas e a Argentina não tem dinheiro para pagar as suas dívidas. A
Presidente Cristina Kirchner encontrou uma "solução" para os
problemas financeiros do país. Decidiu nacionalizar os fundos privados de
pensões e integrar todos os pensionistas no sistema público. As contas
poupança-reforma dos argentinos vão servir para pagar os erros do Governo.
Na Argentina, o sistema privado de pensões era um sistema de
capitalização. Os descontos eram investidos no mercado de capitais e os
trabalhadores eram proprietários das suas contas poupança-reforma. A
capitalização garantia que, em longo prazo, o valor descontado aumentaria
progressivamente. Pelo contrário, o sistema público de pensões é um sistema de
transferência entre trabalhadores e pensionistas. Não há qualquer acumulação de
capital. As pensões dos atuais trabalhadores dependem dos descontos dos futuros
trabalhadores.
A grande vantagem do sistema de capitalização é a acumulação
de capital ao longo do tempo. No caso argentino, esta vantagem foi também a
causa da extinção dos fundos privados. Como os fundos privados acumularam capitais,
tornaram-se num alvo apetecível para o Governo. Tornaram-se numa fonte de
receitas extraordinárias para corrigir os erros do Governo. O caso argentino
ilustra um problema geral dos sistemas de pensões. Em longo prazo, os momentos
de crise são os mais decisivos. Como, nos momentos de crise, a força pesa mais
que o direito, quem desconta para um fundo privado arrisca-se a ser vítima de
uma nacionalização pelo menos uma vez ao longo da sua vida.
Mario Brodersohn, ex-secretário da Fazenda do governo de
Raúl Alfonsín, sustenta que "a desorientação e a paralisia dominam a
gestão econômica".
Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec),
a conta corrente da balança de pagamentos da Argentina teve déficit de US$ 552
milhões no primeiro trimestre. O déficit fiscal argentino, que em 2011 foi de
US$ 6,8 bilhões, pode chegar a US$ 11 bilhões este ano. A dívida externa
cresceu dos US$ 130 bilhões de 2011 para US$ 141,8 bilhões em março.
Dados do Banco Central indicam que saíram da Argentina US$
21,5 bilhões em 2011, 90% a mais que 2010. Para tentar controlar a inflação e a
fuga de divisas, a presidente aplica um férreo - e inédito - controle sobre o
dólar desde novembro passado. O controle intensificou a desconfiança dos
argentinos sobre os rumos do governo Kirchner. As medidas, segundo pesquisa da
consultoria Management & Fit, foram condenadas por 59,8% dos entrevistados.
O "corralito verde" só contou com o respaldo de 13,6%. O resto não
tem opinião formada ou declara-se "nem a favor nem contra".
As restrições estão colapsando as importações (que já
estavam limitadas por uma série de barreiras comerciais) e as operações
financeiras entre filiais e matrizes de multinacionais no exterior. De quebra,
o controle sobre a moeda americana desatou o ressurgimento de um mercado
paralelo do dólar, algo que não ocorria desde 1991. O controle sobre a
"moeda do império" - tal como os militantes kirchneristas denominam o
dólar - é criticado pelos próprios eleitores de Cristina. Do total de pessoas
que condenam o "corralito verde", 36,2% votaram pela reeleição da
presidente em outubro.
Sem alternativas, o governo Kirchner realiza desde o ano
passado uma persistente e lenta desvalorização da moeda. Dos 4 pesos de junho
de 2011, o dólar está em 4,50 pesos atualmente. A ideia é programar uma
desvalorização controlada, para evitar o descontrole da inflação.
Os argentinos adultos ainda recordam com amargura que as
desvalorizações do peso em 1988 e 1989, além de desatar a hiperinflação no fim
do governo de Raúl Alfonsín, geraram inaudita inflação em dólares. O economista
Ricardo Delgado, diretor da consultoria Analytica, acredita que a Argentina não
sofrerá uma maxidesvalorização. "O governo não quer desvalorizações
bruscas." Segundo ele, "uma nova desvalorização implicaria na perda
de capital político para o governo, pois dissolveria os salários".
Desvalorização
O ex-secretário de Comércio Raúl Ochoa concorda. "Nem
maxi, nem de tamanho médio, mas o que veremos é uma crescente, persistente e
sutil desvalorização da moeda. Desvalorizar, na Argentina, é uma coisa muito
traumática."
Ele destaca que a Argentina não enfrenta problemas para o
pagamento da divisa pública. "A curto prazo, o governo resolveu essa
questão recorrendo ao caixa da Previdência, reestatizada há poucos anos. O
problema externo não é esse, mas sim, o fato de que não virão investimentos
suficientes para a Argentina."
Diversos setores da economia argentina apresentam sinais de
esfriamento acelerado. Esse é o caso da indústria automobilística, menina dos
olhos do governo Kirchner. Segundo a Associação de Fabricantes de Automóveis da
Argentina (Adefa), o setor registrou queda de 24,4% na produção em maio em
comparação com o mesmo mês de 2011. As vendas para o mercado interno caíram
15%, enquanto as exportações (principalmente para o Brasil) desabaram 45%.
A produção industrial caiu 4,6% em maio em comparação com o
mesmo mês do ano passado, conforme o Indec. Os analistas afirmam que a queda,
em grande parte, é efeito das restrições às importações aplicadas pelo governo.
Vários economistas independentes afirmam que o país pode mergulhar na recessão
nos próximos meses. Ochoa sustenta que, no segundo semestre, a Argentina deve
ter crescimento nulo ou levemente negativo. "Se a colheita vier abaixo do
previsto, pode ficar mais complicado, entre outros fatores. Além disso, a
Argentina dependerá muito do andamento da economia brasileira."
"A economia crescerá 3% neste ano. Mas é preciso levar
em conta que o cenário mundial é mutável. Por isso, é possível que o PIB
argentino caia um pouco mais. No entanto, não vejo recessão", afirma
Delgado.
O próprio governo Kirchner, que em janeiro ufanava-se de
estar "blindado" contra a crise mundial, agora admite a existência de
problemas. "Com certeza não cresceremos com os índices que estávamos
tendo", disse a presidente Cristina Kirchner para um grupo de influentes
empresários americanos no Conselho das Américas em Nova York há duas semanas.
Esta foi a primeira vez que ela admitiu um horizonte de problemas, cenário que
os economistas independentes alertam há vários anos.
Popularidade
As declarações de Cristina Kirchner em Nova York coincidem
com uma queda drástica de sua popularidade. A presidente - que foi reeleita com
54,11% dos votos em outubro do ano passado - ostentava 64,1% de aprovação em
dezembro. Nos primeiros dias de junho, essa proporção caiu para apenas 38,9%,
segundo pesquisa da consultoria Management & Fit.
A CRISE DE 1990-2000
A crise econômica argentina foi uma situação financeira que
afetou a economia argentina durante a década de 1990 e início da década de
2000. Macroeconomicamente falando, o período crítico começou com a queda do PIB
real em 1999 e terminou em 2002 com o retorno do crescimento do PIB, mas as
origens do colapso da economia argentina, e seus efeitos sobre a população,
podem ser encontrados em ações anteriores.
A situação econômica e social era muito delicada: desemprego
que superava os 15% e que subia implacavelmente, insegurança nas ruas,
desconfiança de parte do mercado financeiro internacional e uma gigantesca
dívida externa eram alguns dos principais temas urgentes na agenda do governo.
O Ministério da Economia havia traçado certas medidas
financeiras com a finalidade de barrar o déficit fiscal, buscando
principalmente novos empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Às 4 da tarde o presidente pronunciou um discurso pela
televisão convocando a "unidade nacional" e oferecendo ao Partido
Justicialista co-governar o país. Diante da negativa judicialista, o então
presidente Fernando de la Rúa renunciou.
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