Mais um texto bacana, direto e esclarecedor do Politize-se.
Texto
original em http://www.politize.com.br/processo-de-impeachment-politico-juridico/
O
processo de impeachment da presidente Dilma continua a gerar polêmicas e
dúvidas na população. De um lado, dizem que é golpe; de outro, que faz parte da
democracia. Ambos os lados também defendem que o impeachment deve ser de um
jeito ou de outro, levar mais em conta isso ou aquilo.
No
meio dessa confusão, ouvimos muitas vezes que impeachment é um um julgamento
mais político do que técnico (ou jurídico). Outros, porém, defendem que esse
julgamento tem sim um lado jurídico que deve prevalecer. Nada disso é falso:
como veremos, o impeachment é um julgamento político, mas que precisa de uma
base técnica, jurídica para ser legítimo. Vamos aprender um pouco:
O lado Jurídico
O
julgamento de impeachment é previsto na Constituição e, para que seja
desempenhado, deve cumprir os requisitos constitucionais. Um impedimento de um
mandante do Executivo, prevê a Constituição, deve acontecer em decorrência de
um chamado crime de responsabilidade. Esses crimes são listados minuciosamente
na Lei 1.079, do ano de 1950. São dezenas e dezenas de crimes previstos,
agrupados em oito categorias.
Portanto,
para que o processo de impeachment seja legítimo, deve haver no mínimo provas
de que foi cometido um dos crimes de responsabilidade previstos na legislação,
além do respeito a uma série de etapas obrigatórias (desde o recebimento da
denúncia na Câmara até o julgamento final no Senado). Esse é o lado técnico de
um processo de impeachment: existe um processo legal claramente previsto na
lei.
O
que se defende por trás desse fato é que o crime de responsabilidade seja
comprovado de forma rigorosa e também que o impeachment decorra da existência
desse crime – e não meramente por motivações políticas.
O lado Político
Diferente
de um processo contra crimes comuns, o processo de impeachment tem uma
peculiaridade muito grande: quem investiga, julga e condena autoridades por
crime de responsabilidade é o Poder Legislativo, e não o Poder Judiciário. Isso
significa que o Congresso Nacional tem os papéis de acusador, de juiz e de
juri, tudo ao mesmo tempo!
Quais
as implicações disso? Bom, o Congresso não está submetido às mesmas obrigações
do Poder Judiciário. Dessa forma, é muito possível que um julgamento do
Congresso seja mais influenciado pelo ambiente político do país, não
considerando questões legais com a mesma rigidez que o Poder Judiciário deve
sempre observar.
Existe
também pouco espaço para interferências do Poder Judiciário ao longo da
tramitação no Congresso: o máximo que o STF pode fazer é agir como um árbitro,
determinando o que está certo e errado em relação ao ritual do impeachment. O
mérito da questão (ou seja, se a presidente cometeu ou não crime de
responsabilidade) fica totalmente a cargo do Congresso Nacional.
Isso
não abre margem para que um presidente seja impedido sobretudo por motivações
políticas? Sim, certamente. E é exatamente por isso que se diz que o
impeachment é um julgamento com caráter político.
O Processo de
Impeachment de Collor
O
episódio do impeachment de Collor pode ilustrar a importância do ambiente
político para o impeachment: em 1992, em meio a uma grande onda de
impopularidade – por conta de más medidas econômicas, além de denúncias de
corrupção que envolviam seu nome – o então presidente sofreu impeachment, foi
afastado e renunciou apenas quando sua cassação pelo Senado era iminente.
Entretanto,
alguns anos mais tarde, o STF absolveu Collor das mesmas acusações que o
levaram a ser cassado, por falta de provas.
Por
que no Congresso Collor foi punido e no STF, não? Porque no impeachment o fator
político pesa decisivamente. A comoção criada nas ruas e no Congresso por causa
da acusação contra Collor se sobrepôs a questões técnicas que seriam levadas em
conta mais tarde na Justiça. As provas contra Collor eram suficientes para o
Congresso cassá-lo, mas não para o STF mandá-lo para a prisão. Resumindo: um
presidente impopular, com pouco apoio no Congresso e implicado em casos de
corrupção provavelmente correrá o risco de ser alvo de um impeachment.
Há
quem ainda diga que outros presidentes, como Fernando Henrique e Lula, não
sofreram impeachment, mesmo diante de acusações de corrupção, justamente porque
tinham sustentação política suficiente para impedir que o Congresso criasse um
consenso em torno do afastamento. FHC foi acusado de ter comprado parlamentares
para aprovar a emenda constitucional que permitiu a reeleição. Já Lula foi
acusado de ter participado ou ter se omitido em relação ao esquema do mensalão,
que também envolvia a compra de deputados e senadores em troca de apoio
político. Em ambos os casos, mesmo com muitos pedidos de impeachment
elaborados, eles conseguiram terminar seus mandatos normalmente.
Crimes de
Responsabilidade
O
conceito de crime de responsabilidade é outra questão que favorece o lado
político no rito do impeachment. Essa categoria de crimes, como você pode
constatar na Lei 1.079/50, não se refere meramente a delitos comuns como os que
você encontraria no Código Penal, mas a uma grande lista de malfeitorias que um
governante pode ter cometido – erros que, em contextos políticos menos
turbulentos, provavelmente não receberiam muita atenção.
Um
exemplo disso: como nota o professor de Direito Constitucional Cláudio Colnago,
é crime de responsabilidade “proceder de modo incompatível com a dignidade, a
honra e o decoro do cargo”. Bastante amplo, não é mesmo? No caso de Dilma, a
ideia de que as pedaladas fiscais são um crime de responsabilidade fiscal tem
sido alvo de críticas, já que não é consensual que os saldos negativos das
contas com os bancos públicos equivaleriam a uma operação de crédito entre a
União e uma instituição financeira controlada por ela, o que seria ilegal.
Também se alega o fato de que outros presidentes e governadores fizeram a mesma
coisa – apesar de que em um volume menor do que o governo Dilma, que teria
feito pedaladas em quase todos os meses entre 2013 e 2014.
Nada
disso, é claro, implica dizer que o impeachment é um golpe: desde que exista o
crime de responsabilidade, ele possui uma base jurídica que o torna
completamente legal, como previsto na Constituição. Os formuladores da lei do
impeachment tinham plena ciência de que o Congresso pode julgar de forma
diferente do Judiciário – este último, teoricamente, deve se distanciar das
paixões políticas.
Para
alguns, é importante que o Congresso tenha meios de remover um presidente cujo
governo se revela um fracasso, que seja corrupto (mesmo que o presidente não
esteja diretamente envolvido em casos de corrupção) ou tenha cometido algum
erro grave em sua posição – mesmo que no meio de seu mandato. Para outros, o
impeachment – pelo menos da maneira como existe hoje – cria muita instabilidade
dentro do nosso sistema político (como estamos vendo atualmente). E você, o que
acha?
Fontes:
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