Ao
longo da década de 1920, Adolf Hitler era pouco mais do que um ex-militar
bizarro de baixo escalão, que poucas pessoas levavam a sério. Ele era conhecido
principalmente por seus discursos contra minorias, políticos de esquerda,
pacifistas, feministas, gays, elites progressistas, imigrantes, a mídia e a
Liga das Nações, precursora das Nações Unidas. Em 1932, porém, 37% dos
eleitores alemães votaram no partido de Hitler, a nova força política dominante
no país. Em janeiro de 1933, ele tornou-se chefe de governo. Por que tantos
alemães instruídos votaram em um patético bufão que levou o país ao abismo?
Em
primeiro lugar, os alemães tinham perdido a fé no sistema político da época. A
jovem democracia não trouxera os benefícios que muitos esperavam. Muitos
sentiam raiva das elites tradicionais, cujas políticas tinham causado a pior
crise econômica na história do país. Buscava-se um novo rosto. Um anti-político
promoveria mudanças de verdade. Muitos dos eleitores de Hitler ficaram
incomodados com seu radicalismo, mas os partidos estabelecidos não pareciam
oferecer boas alternativas.
Em
segundo lugar, Hitler sabia como usar a mídia para seus propósitos.
Contrastando o discurso burocrático da maioria dos outros políticos, Hitler usava
um linguajar simples, espalhava fake news, e os jornais adoravam sugerir que
muito do que ele dizia era absurdo. Hitler era politicamente incorreto de
propósito, o que o tornava mais autêntico aos olhos dos eleitores. Cada
discurso era um espetáculo. Diferentemente dos outros políticos, ele foi
recebido com aplausos de pé onde quer que fosse, empolgando as multidões. Como
escreveu em seu livro "Minha Luta":
Toda
propaganda deve ser apresentada em uma forma popular (...), não estar acima das
cabeças dos menos intelectuais daqueles a quem é dirigida. (...) A arte da
propaganda consiste precisamente em poder despertar a imaginação do público
através de um apelo aos seus sentimentos.
Em
terceiro lugar, muitos alemães sentiram que seu país sofria com uma crise
moral, e Hitler prometeu uma restauração. Pessoas religiosas, sobretudo,
ficaram horrorizadas com a arte moderna e os costumes culturais progressistas
que surgiram por volta de 1920, época em que as mulheres se tornavam cada vez
mais independentes, e a comunidade LGBT em Berlim começava a ganhar
visibilidade. Os conservadores sonhavam com restabelecer a antiga ordem. Os
conselheiros de Hitler eram todos homens heterossexuais brancos. As mulheres,
ele argumentou, deveriam se limitar a administrar a casa e ter filhos. Homens
inseguros podiam, de vez em quando, quebrar vitrines de lojas, cujos donos eram
judeus, para reafirmarem sua masculinidade.
Em
quarto lugar, apesar de Hitler fazer declarações ultrajantes – como a de que
judeus e gays deveriam ser mortos -, muitos pensavam que ele só queria chocar
as pessoas. Muitos alemães que tinham amigos gays ou judeus votaram em Hitler,
confiantes de que ele nunca implementaria suas promessas. Simplista,
inexperiente e muitas vezes tão esdrúxulo, que até mesmo seus concorrentes riam
dele, Hitler poderia ser controlado por conselheiros mais experientes, ou ele
logo deixaria a política. Afinal, ele precisava de partidos tradicionais para
governar.
Em
quinto, Hitler ofereceu soluções simplistas que, à primeira vista, faziam
sentido para todos. O problema do crime, argumentava, poderia ser resolvido
aplicando a pena de morte com mais frequência e aumentando as sentenças de
prisão. Problemas econômicos, segundo ele, eram causados por atores externos e
conspiradores comunistas. Os judeus - que representavam menos de 1% da
população total - eram o bode expiatório favorito. Os alemães
"verdadeiros" não deviam se culpar por nada. Tudo foi embalado em
slogans fáceis de lembrar: "Alemanha acima de tudo", "Renascimento
da Alemanha", "Um povo, uma nação, um líder."
Em
sexto lugar, as elites logo aderiram a Hitler porque ele prometeu -- e
implementou -- um atraente regime clientelista, cleptocrata, que beneficiava
grupos de interesses especiais. Os industriais ganharam contratos suculentos,
que os fizeram ignorar as tendências fascistas de Hitler.
Em
sétimo, mesmo antes da eleição de 1932, falar contra Hitler tornou-se cada vez
mais perigoso. Jovens agressivos, que apoiavam Hitler, ameaçavam os oponentes,
limitando-se inicialmente ao abuso verbal, mas logo passando para a violência
física. Muitos alemães que não apoiavam o regime preferiam ficar calados para
evitar problemas com os nazistas.
Doze
anos depois, com seis milhões de judeus exterminados e mais de 50 milhões de
pessoas mortas na Segunda Guerra Mundial, muitos alemães que votaram em Hitler
disseram a si mesmos que não tinham ideia de que ele traria tanta miséria ao
mundo. “Se soubesse que ele mataria pessoas ou invadiria outros países, eu
nunca teria votado nele”, contou-me um amigo da minha família. “Mas como você
pode dizer isso, considerando que Hitler falou publicamente de enforcar
criminosos judeus durante a campanha?”, perguntei. “Eu achava que ele era pouco
mais que um palhaço, um trapaceiro”, minha avó, cujo irmão morreu na guerra,
responderia.
De
fato, uma análise mais objetiva mostra que, justamente quando era mais
necessário defender a democracia, os alemães caíram na tentação fácil de um
demagogo patético que fornecia uma falsa sensação de segurança e muito poucas
propostas concretas de como lidar com os problemas da Alemanha em 1932.
Diferentemente do que se ouve hoje em dia, Hitler não era um gênio. Não passava
de um charlatão oportunista que identificou e explorou uma profunda insegurança
na sociedade alemã.
Hitler
não chegou ao poder porque todos os alemães eram nazistas ou antissemitas, mas
porque muitas pessoas razoáveis fizeram vista grossa. O mal se estabeleceu na
vida cotidiana porque as pessoas eram incapazes ou sem vontade de reconhecê-lo
ou denunciá-lo, disseminando-se entre os alemães porque o povo estava disposto
a minimizá-lo. Antes de muitos perceberem o que a maquinaria fascista do
partido governista estava fazendo, ele já não podia mais ser contido. Era tarde
demais.
Fonte:
[1] Oliver Stuenkel
(Düsseldorf em 1982) é um professor e pesquisador de relações internacionais. Graduado
pela Universidade de Valência, na Espanha, é mestre em Políticas Públicas pela
Kennedy School of Government de Harvard University, onde foi McCloy Scholar, e
doutor em Ciência Política pela Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha.
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