Para
falar sobre os atuais desastres ambientais ocorridos em grandes cidades
brasileiras vou focar a explicação dos problemas na consolidação da urbanização
de Belo Horizonte. A cidade mineira vem sofrendo proporcionalmente, ou até mais,
que São Paulo e Rio de Janeiro. Sem desmerecer os problemas gigantescos que as
duas maiores cidades do Brasil vem sofrendo, é preciso considerar que no caso
de Belo Horizonte, a cidade foi planejada do zero, coisa que as outras duas não
foram, nem tiveram a oportunidade de ser. Os problemas de São Paulo e Rio de
Janeiro são muito mais em função de conviver com crescimento acelerado de
população paralelamente com a ampliação da cidade. Ou seja, como na maior parte
das cidades brasileiras em que a estruturação é desordenada, remendando daqui e
dali e dificilmente começando algo do zero. Além é claro, da falta de
investimento e aplicação adequada de modelos.
Belo Horizonte
Belo Horizonte
Fundada em 12 de dezembro
de 1897 (122 anos), a cidade de Belo Horizonte é fruto da planta feita por Aarão
Reis (1853-1936) documentada em 1895. Este, por sua vez, era um engenheiro e
urbanista bastante moderno e competente para a época. A ideia era trazer a sede
administrativa de Ouro Preto pra lá e então, ele planejou a cidade para esta
função. Tudo o que viria depois, como a industrialização na década de 1930, já
não fazia parte dos planos. Aarão Reis e quem mais planejou a cidade nos
últimos 90 anos, incluindo aí o engenheiro sanitarista Saturnino de Brito (1864-1929),
acabaram por falhar nas demandas que surgiram.
Mudanças climáticas,
alguns pressupostos ruins de drenagem canalizada tomaram conta das cidades e o
crescimento populacional descontrolado se somaram aos demais problemas,
atingindo especialmente a cidade de BH.
A canalização do Ribeirão Arrudas é o melhor de todos os exemplos disponíveis no Brasil sobre o que não fazer em uma cidade. E o mais bizarro é que provavelmente todos os leitores deste texto que vivem em cidades com cerca de 100 mil habitantes em diante, nem sonham que vivem a mesmíssima situação em dimensões distintas.
A canalização do Ribeirão Arrudas é o melhor de todos os exemplos disponíveis no Brasil sobre o que não fazer em uma cidade. E o mais bizarro é que provavelmente todos os leitores deste texto que vivem em cidades com cerca de 100 mil habitantes em diante, nem sonham que vivem a mesmíssima situação em dimensões distintas.
As canalizações de cursos de água
A canalização de
córregos na capital mineira, inclusive, não é um fenômeno recente. Apesar da
maior ênfase que tema ganhou a partir de 2007, quando a cobertura do Arrudas
foi iniciada, já na década de 1920 os trabalhos de cobertura dos rios era
realizado.
Na obra “Rios
Invisíveis da Metrópole Mineira” do Geógrafo Alessandro Borsagli, o autor
remonta à época da construção da capital e demonstra, cronologicamente, como os
leitos foram sendo cobertos à medida que o tempo passava.
“O primeiro foi o
córrego da Serra, mas a maioria dos leitos foi tapada mesmo entre os anos de
1963 e 1978, uma época em que a capital mineira era considerada a que mais
crescia no país”.
Entre os cursos
d’água estão os córregos Leitão (na Avenida Prudente de Morais), Serra (que
desce do bairro de mesmo nome até o Funcionários) e Acaba Mundo (na Rua Uruguai),
todos na região Centro-Sul e integrantes da bacia do ribeirão Arrudas. “Nossas
águas foram marginalizadas, escondidas, e deram lugar a avenidas que viraram
receptoras de esgoto”, critica o pesquisador.
De fato, dados da
Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), dos 654 km de rios que
cortam Belo Horizonte, 208 km são invisíveis para quem anda pela cidade e a
maioria está tapada por concreto, recebendo ruas e avenidas. Para Borsagli, as
justificativas dadas pelo poder público, como a redução da poluição, de
enchentes e melhorias no trânsito, não leva em conta o tamanho do problema que
resulta da atividade.
O impacto dessas
canalizações não somente afeta a paisagem da cidade, mas também altera o modo
de vida das grandes metrópoles, segundo o Geógrafo. “A cidade perdeu o respeito
pelos elementos naturais. O ser humano acha que tem capacidade de controlar a
natureza, mas não tem. (A canalização) afeta o clima. Com o aumento da malha
asfáltica, a cidade esquentou”.
Veja abaixo uma sequência de fotos sobre a canalização de cursos de água de Belo Horizonte.
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Ribeirão Arrudas: anos 1900 |
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Ribeirão Arrudas: década de 1920 |
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Ribeirão Arrudas: década de 2010 |
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Ribeirão Arrudas: janeiro de 2020 |
Rios invisíveis
Ainda segundo a Sudecap, a capital possui quatro grandes bacias (Arrudas, Isidoro, Onça e Velhas), 98 bacias elementares e 256 sub-bacias. Dos 654 km de rios, 165 km (25%) deram lugar a avenidas sanitárias.
Para o pesquisador, a população em geral aprova a canalização de rios devido à propaganda do poder público desde a década de 1950. “Anos depois da cobertura do primeiro rio, uma enchente arrasou a capital, em 1929, e isso provou que aquilo não resolvia a questão das enchentes”, diz. Para ele, achar que canalizar os leitos d’água vai trazer benefícios viários e de saneamento é um equívoco.
Cursos d’água são tema de estudo
Outro importante
estudo foi realizado por uma equipe de pesquisadores coordenada pelo arquiteto
espanhol Antonio Hoyuela Jayo. Nele, o grupo reconta a história da construção
de Belo Horizonte no fim do século XIX, por meio dos mapas cartográficos
desenvolvidos na época.
Foi a partir da cidade pensada naquele período por Saturnino de Brito - que contemplava outra ideia para os rios que correm embaixo das ruas da capital mineira - que Jayo criou o projeto Utopia. A ação desenhou uma “nova BH” a partir da modernização dos mapas cartográficos.
Foi a partir da cidade pensada naquele período por Saturnino de Brito - que contemplava outra ideia para os rios que correm embaixo das ruas da capital mineira - que Jayo criou o projeto Utopia. A ação desenhou uma “nova BH” a partir da modernização dos mapas cartográficos.
A ideia foi
valorizar os cursos d’água da cidade invés de escondê-los e estabelecer
parâmetros de planejamento que, se tivessem sido seguidos ainda na virada do
século XIX para o XX, fariam com que a capital tivesse mais áreas verdes,
respeitando o traçado original dos rios.
O projeto Utopia também
faz parte de uma ação maior, chamada de Mapa Histórico Digital da Cidade de
Belo Horizonte. A meta seria aprofundar os conhecimentos sobre os trabalhos da
Comissão Construtora da Nova Capital, presidida pelo engenheiro Aarão Reis, analisando
e digitalizando os principais mapas das plantas do Curral del Rey, como era
conhecida a localidade onde se instalou BH.
Considerações Finais
A urbanização
brasileira, historicamente, tem como pressupostos norteadores projetos
arquitetônicos que em muitos casos são muito bem aplicados em países
desenvolvidos e que por sua vez não correspondem às necessidades de um país
tropical como o nosso. Brasileiros sempre adoraram seguir os europeus e estadunidenses,
por exemplo. Mas, em 2020, podemos dizer que já tivemos mostras mais que
suficientes do quão fundamental é o investimento em pesquisa para o
planejamento urbano brasileiro, com cientistas brasileiros. Um engenheiro
japonês até pode ser bem sucedido atuando, por exemplo, na construção de
prédios aqui no Brasil, mas se ele não tiver apoio de quem entende bem do nosso
clima, solo, geologia... dificilmente será bem sucedido.
O agravante é que nossos
governantes comprovadamente estão utilizando muito menos verba para mitigação e
prevenção de desastres do que deveriam. Políticas de austeridade que contingenciam
ou economizam em questões nunca consideradas prioritárias, como as
socioambientais. Esperamos que não sejam necessários novos desastres e dezenas
de mortes para que as mudanças, tão detectáveis e necessárias.
Jonathan Kreutzfeld
Fonte:
BORSAGLI, Alessandro.
Rios Invisíveis da Metrópole Mineira. Belo
Horizonte. 2018
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