terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Desastres Urbanos: O fracasso do planejamento em grandes cidades


Para falar sobre os atuais desastres ambientais ocorridos em grandes cidades brasileiras vou focar a explicação dos problemas na consolidação da urbanização de Belo Horizonte. A cidade mineira vem sofrendo proporcionalmente, ou até mais, que São Paulo e Rio de Janeiro. Sem desmerecer os problemas gigantescos que as duas maiores cidades do Brasil vem sofrendo, é preciso considerar que no caso de Belo Horizonte, a cidade foi planejada do zero, coisa que as outras duas não foram, nem tiveram a oportunidade de ser. Os problemas de São Paulo e Rio de Janeiro são muito mais em função de conviver com crescimento acelerado de população paralelamente com a ampliação da cidade. Ou seja, como na maior parte das cidades brasileiras em que a estruturação é desordenada, remendando daqui e dali e dificilmente começando algo do zero. Além é claro, da falta de investimento e aplicação adequada de modelos.

Belo Horizonte


Fundada em 12 de dezembro de 1897 (122 anos), a cidade de Belo Horizonte é fruto da planta feita por Aarão Reis (1853-1936) documentada em 1895. Este, por sua vez, era um engenheiro e urbanista bastante moderno e competente para a época. A ideia era trazer a sede administrativa de Ouro Preto pra lá e então, ele planejou a cidade para esta função. Tudo o que viria depois, como a industrialização na década de 1930, já não fazia parte dos planos. Aarão Reis e quem mais planejou a cidade nos últimos 90 anos, incluindo aí o engenheiro sanitarista Saturnino de Brito (1864-1929), acabaram por falhar nas demandas que surgiram.

Mudanças climáticas, alguns pressupostos ruins de drenagem canalizada tomaram conta das cidades e o crescimento populacional descontrolado se somaram aos demais problemas, atingindo especialmente a cidade de BH.

A canalização do Ribeirão Arrudas é o melhor de todos os exemplos disponíveis no Brasil sobre o que não fazer em uma cidade. E o mais bizarro é que provavelmente todos os leitores deste texto que vivem em cidades com cerca de 100 mil habitantes em diante, nem sonham que vivem a mesmíssima situação em dimensões distintas.

As canalizações de cursos de água

A canalização de córregos na capital mineira, inclusive, não é um fenômeno recente. Apesar da maior ênfase que tema ganhou a partir de 2007, quando a cobertura do Arrudas foi iniciada, já na década de 1920 os trabalhos de cobertura dos rios era realizado.

Na obra “Rios Invisíveis da Metrópole Mineira” do Geógrafo Alessandro Borsagli, o autor remonta à época da construção da capital e demonstra, cronologicamente, como os leitos foram sendo cobertos à medida que o tempo passava.

“O primeiro foi o córrego da Serra, mas a maioria dos leitos foi tapada mesmo entre os anos de 1963 e 1978, uma época em que a capital mineira era considerada a que mais crescia no país”.

Entre os cursos d’água estão os córregos Leitão (na Avenida Prudente de Morais), Serra (que desce do bairro de mesmo nome até o Funcionários) e Acaba Mundo (na Rua Uruguai), todos na região Centro-Sul e integrantes da bacia do ribeirão Arrudas. “Nossas águas foram marginalizadas, escondidas, e deram lugar a avenidas que viraram receptoras de esgoto”, critica o pesquisador.

De fato, dados da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), dos 654 km de rios que cortam Belo Horizonte, 208 km são invisíveis para quem anda pela cidade e a maioria está tapada por concreto, recebendo ruas e avenidas. Para Borsagli, as justificativas dadas pelo poder público, como a redução da poluição, de enchentes e melhorias no trânsito, não leva em conta o tamanho do problema que resulta da atividade.

O impacto dessas canalizações não somente afeta a paisagem da cidade, mas também altera o modo de vida das grandes metrópoles, segundo o Geógrafo. “A cidade perdeu o respeito pelos elementos naturais. O ser humano acha que tem capacidade de controlar a natureza, mas não tem. (A canalização) afeta o clima. Com o aumento da malha asfáltica, a cidade esquentou”.

Veja abaixo uma sequência de fotos sobre a canalização de cursos de água de Belo Horizonte.

Ribeirão Arrudas: anos 1900
Ribeirão Arrudas: década de 1920


Ribeirão Arrudas: década de 2010
Ribeirão Arrudas: janeiro de 2020
Rios invisíveis

Ainda segundo a Sudecap, a capital possui quatro grandes bacias (Arrudas, Isidoro, Onça e Velhas), 98 bacias elementares e 256 sub-bacias. Dos 654 km de rios, 165 km (25%) deram lugar a avenidas sanitárias.

Para o pesquisador, a população em geral aprova a canalização de rios devido à propaganda do poder público desde a década de 1950. “Anos depois da cobertura do primeiro rio, uma enchente arrasou a capital, em 1929, e isso provou que aquilo não resolvia a questão das enchentes”, diz. Para ele, achar que canalizar os leitos d’água vai trazer benefícios viários e de saneamento é um equívoco.

Cursos d’água são tema de estudo

Outro importante estudo foi realizado por uma equipe de pesquisadores coordenada pelo arquiteto espanhol Antonio Hoyuela Jayo. Nele, o grupo reconta a história da construção de Belo Horizonte no fim do século XIX, por meio dos mapas cartográficos desenvolvidos na época.

Foi a partir da cidade pensada naquele período por Saturnino de Brito - que contemplava outra ideia para os rios que correm embaixo das ruas da capital mineira - que Jayo criou o projeto Utopia. A ação desenhou uma “nova BH” a partir da modernização dos mapas cartográficos.

A ideia foi valorizar os cursos d’água da cidade invés de escondê-los e estabelecer parâmetros de planejamento que, se tivessem sido seguidos ainda na virada do século XIX para o XX, fariam com que a capital tivesse mais áreas verdes, respeitando o traçado original dos rios.

O projeto Utopia também faz parte de uma ação maior, chamada de Mapa Histórico Digital da Cidade de Belo Horizonte. A meta seria aprofundar os conhecimentos sobre os trabalhos da Comissão Construtora da Nova Capital, presidida pelo engenheiro Aarão Reis, analisando e digitalizando os principais mapas das plantas do Curral del Rey, como era conhecida a localidade onde se instalou BH.

Considerações Finais

A urbanização brasileira, historicamente, tem como pressupostos norteadores projetos arquitetônicos que em muitos casos são muito bem aplicados em países desenvolvidos e que por sua vez não correspondem às necessidades de um país tropical como o nosso. Brasileiros sempre adoraram seguir os europeus e estadunidenses, por exemplo. Mas, em 2020, podemos dizer que já tivemos mostras mais que suficientes do quão fundamental é o investimento em pesquisa para o planejamento urbano brasileiro, com cientistas brasileiros. Um engenheiro japonês até pode ser bem sucedido atuando, por exemplo, na construção de prédios aqui no Brasil, mas se ele não tiver apoio de quem entende bem do nosso clima, solo, geologia... dificilmente será bem sucedido.

O agravante é que nossos governantes comprovadamente estão utilizando muito menos verba para mitigação e prevenção de desastres do que deveriam. Políticas de austeridade que contingenciam ou economizam em questões nunca consideradas prioritárias, como as socioambientais. Esperamos que não sejam necessários novos desastres e dezenas de mortes para que as mudanças, tão detectáveis e necessárias.

Jonathan Kreutzfeld

Fonte:

BORSAGLI, Alessandro. Rios Invisíveis da Metrópole Mineira. Belo Horizonte. 2018







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